sábado, 17 de maio de 2014

Alfredinho Kunz


Iniciamos aqui a primeira postagem de várias que faremos sobre esse militante da Paz.


Ele viveu entre nós

"Salão do Sindicato dos Cozinheiros de Paris, início da década de 40. 0 presidente indaga quantos trabalhadores tem um mês de férias por ano. Uns tantos se levantam. Quem tem apenas uma semana de descanso. Uns poucos ficam de pé. Quem só obtém licença do patrão para descansar apenas no fim de semana. Outro punhado de pé. Quem nunca descansa? Um rapaz suíço, com pouco mais de um metro e meio de altura, levanta-se ao fundo. Era Alfredo Kunz, um militante cristão.

Meses depois, Alfredinho, como era conhecido, foi mobilizado pelo Exército francês para lutar contra o avanço das tropas de Hitler. Aprisionado, passou a guerra num campo de concentração na Áustria, ao lado de prisioneiros soviéticos. Aprendeu russo para pregar o Evangelho a seus companheiros de infortúnio. Em 1945, logrou fugir do campo, onde morreram cerca de 40 mil pessoas. Estranhou a indiferença dos soldados nazistas que cruzavam com ele, um notório evadido, com uniforme azul e cabeça raspada. Naquele dia, a guerra terminara.

Alfredinho tomou três decisões: tornar-se padre, trabalhar com os mais pobres entre os pobres e jamais vestir outra roupa que não reproduzisse o modelo do uniforme do campo, em memória de seus companheiros mortos.

Ingressou na congregação dos Filhos da Caridade e, a convite de dom Antônio Fragoso, em 1968 veio para a Diocese de Crateús (CE). Perguntou ao bispo qual era a paróquia mais miserável da diocese. Dom Fragoso apontou Tauá, região de seca e flagelo. Alfredinho instalou-se na capela local. Desprovida de casa paroquial, ele dormia no colchão estendido junto ao altar e cozinhava num fogareiro.

Certa noite, foi chamado para atender uma prostituta que, cancerosa, agonizava em seu barraco de taipa, na zona boêmia. Antonieta queria confessar-se. Padre Alfredinho disse a ela: "Somos nós que devemos pedir perdão a você. Perdão pelos pecados de uma sociedade que não Ihe ofereceu outra alternativa de vida. Como Jesus prometeu, Antonieta, você nos precederá no Reino de Deus. Interceda por nós."

Após receber a absolvição e a unção dos enfermos, a mulher faleceu. Não havia dinheiro para o caixão. As prostitutas enrolaram a companheira num lençol e arrancaram a porta de madeira do barraco para levar o corpo à vala comum do cemitério. Ao retornar para colocar a porta no lugar, Alfredinho teve uma inspiração. Durante anos, o vigário de Tauá habitou aquele casebre em plena zona boêmia da cidade.

Num tempo de seca, os flagelados invadiam as cidades do Ceará. Temerosos, muitos fechavam as portas. Alfredinho criou a campanha da Porta Aberta ao Faminto (PAF), cartaz que cerca de 2 mil famílias ostentaram em suas casas, acolhendo as vítimas do descaso do poder público.

Fomos amigos e bebi de sua espiritualidade. Barbado, vestido com a roupa azul que lembrava um macacão, sandálias nos pés e mochila nas costas, o aspecto de Alfredinho não diferia do de um mendigo. Convidado a pregar o retiro dos franciscanos, em Campina Grande, chegou de madrugada e dormiu na escada da igreja do convento. Ao acordar, catou as moedas que encontrou em volta e bateu a porta. "Quero falar com o superior", disse ao porteiro. "O superior não pode atender. Está em retiro." Alfredinho tentou esclarecer: "Sim, eu sei, pois vim pregar o retiro." O porteiro já ia expulsá-lo quando Alfredinho foi reconhecido por um frade que passava.

Testemunhei fato idêntico em Vitória, nos anos 70. A cozinheira interrompeu meu jantar com dom João Batista da Motta Albuquerque para comunicar: "Um mendigo insiste em falar com o senhor." O arcebispo reagiu: "Diga a ele que espere, minha filha. Vou atende-lo após o jantar." Era o padre Alfredinho, que viera pregar o retiro do clero local.

Em 1988, Alfredinho mudou-se para a Favela Lamartine, em Santo André (SP). Passou a viver entre o povo da rua e a dedicar-se a confraria que fundou, a Irmandade do Servo Sofredor (Isso), hoje congregando pessoas consagradas aos mais pobres em dez Estados do Brasil e vários países. Sua trajetória espiritual entre os excluídos está narrada em seus livros, muitos traduzidos no exterior: A sombra do Nabucodonosor, A Ovelha de Urias, A Burrinha de Balaão, A Espada de Gedeão e O Cobrador.

No domingo, 13 de agosto, Alfredinho transvivenciou, acolhido por Aquele que era o seu caso de Amor. Deixou como herança o testemunho de que uma Igreja afastada do pobre é uma Igreja de costas para Jesus."


(Texto de Frei Betto)

  Alguns fatos sore a vida de Frédy Kunz

9 Fev 1920 Nasceu em Berna (Suíça), filho de Frederic e Anna, trabalhadores de uma pedreira.

1926 Emigram para a França procurando melhor vida e trabalho.

1931 Aos 11 anos, começa a trabalhar num hotel como cozinheiro. Chegava a trabalhar 15 horas por dia.

1935 Ingressou na JOC (Juventude Operária Católica), e gostou muito da leitura da bíblia.

1939 Começou a pensar que algum gostaria de ser sacerdote, mas logo nesse ano teve inicio a II Guerra Mundial. Seu pai era contrário a sua vontade de ser padre, e então Frédy se alistou como voluntário no exército francês. Combateu contra os alemães. Foi preso e levado para o campo de concentração na Áustria, trabalhando como cozinheiro. No campo de concentração iniciou um círculo de leitura da bíblia, junto com outro prisioneiro protestante. Atendiam os doentes e os curavam.

1945 Entra no Seminário depois de terminada  a Guerra, em Fontgombault (França), acompanhado pelos Filhos da Caridade.

1954 Foi ordenado sacerdote em Paris, e depois foi trabalhar para o Canadá, num bairro de operários.

1968 Desejoso de trabalhar em países mais pobres, veio para o Brasil, na cidade de Crateús. Começou a viver com os pobres que eram vítimas do sistema de fazendas naquela região semi-árida. O sofrimento que ele mesmo viveu na sua vida, e que partilhou com tantos pobres, o levou a meditar cada vez mais no SERVO SOFREDOR, figura profética do livro de Isaías.

1968-1971 Viveu três anos no bairro da prostituição de Crateús, onde atendia todos os mais pobres, no barraco da falecida Antonieta.

1977 Cria um pequeno grupo que deseja fazer retiros espirituais com o Pe. Alfredinho, e crescer na espiritualidade do Servo Sofredor.

1979 Alfredinho, no tempo de ditadura e repressão dos pobres que chegavam à cidade procurando alimento, animou a campanha de acolhimento, com o lema “Fraternidade sim, violência não!

1988 Tem problemas contínuos de saúde, e foi viver para a favela Lamartine.

1995-1997 Animado pela campanha da Fraternidade que procurava acolher os excluídos, pediu a bênção ao  bispo de Santo André, e foi viver com os moradores de rua em SP. Ao longo destes anos um grupo de gente se vai associando ao Pe. Alfredinho, formando assim a Irmandade do Servo Sofredor.

Ago 2001 Devido a insuficiência cardíaca, morreu no dia 12 de Agosto.


(Texto nosso baseado no link: http://juventudespedrospaulo.blogspot.com.br/2011/05/padre-alfred-kunz-conhecido-como-pe.html)

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