sábado, 24 de maio de 2014

Trecho de Alfredinho

Segue abaixo um trecho do livro À sombra de Nabuco, de Alfredinho Kunz, que nos faz retomar a dignidade do ser humano ridicularizado.



            "Havia em Quebec, Canadá, um desenhista famoso que quase todos os dias fazia a caricatura do primeiro-ministro daquela época, Maurice Duplessis. Todas as vezes apareciam ao lado do ministro dois ou três urubus esperando, pelo menos, que ele desaparecesse do governo.
            No dia da morte do primeiro-ministro, o mesmo desenhista fez um retrato a lápis de seu inimigo político. Dessa vez a imagem revelava grande dignidade.
            Assim deveria ser sempre. A caricatura ridiculariza a pessoa e provoca a rejeição. Quando se apresenta um rico é sempre com os dentes fora da boca, bem barrigudo, as mãos segurando um saco de dólares e a cabeça coberta com um chapéu de três andares.
            No caso de policiais,  a imagem é sempre de homens dando cassetadas na cabeça de manifestantes. Será que é só isso que todos os policiais fazem? Por que não representá-los levando um ferido ao pronto-socorro?
            O padre só é reconhecido usando uma batina do século passado; quanto ao pobre, só pode ser reconhecido se tem roupas esfarrapadas que mal cobrem seu corpo esquelético.
            Em nossas lutas vamos resistir: resgatar a dignidade do ser humano ridicularizado.
            Dizia o escritor Michel Quoist: "O homem, por mais mesquinho que seja, merece respeito, exige respeito, pela dignidade do homem!".
            O pai do padre Oliva era alcoólatra. Trabalhando muito, a mãe criou os doze filhos. Quando um deles fazia crítica ela cortava a queixa dizendo: "É o seu pai!".
            Tratando Nabuco com dignidade vou obrigá-lo a me receber também como pessoa."

(KUNZ, Frédy. À sombra de Nabuco. São Paulo: Loyola, 1997, pp. 35-36.)


sábado, 17 de maio de 2014

Alfredinho Kunz


Iniciamos aqui a primeira postagem de várias que faremos sobre esse militante da Paz.


Ele viveu entre nós

"Salão do Sindicato dos Cozinheiros de Paris, início da década de 40. 0 presidente indaga quantos trabalhadores tem um mês de férias por ano. Uns tantos se levantam. Quem tem apenas uma semana de descanso. Uns poucos ficam de pé. Quem só obtém licença do patrão para descansar apenas no fim de semana. Outro punhado de pé. Quem nunca descansa? Um rapaz suíço, com pouco mais de um metro e meio de altura, levanta-se ao fundo. Era Alfredo Kunz, um militante cristão.

Meses depois, Alfredinho, como era conhecido, foi mobilizado pelo Exército francês para lutar contra o avanço das tropas de Hitler. Aprisionado, passou a guerra num campo de concentração na Áustria, ao lado de prisioneiros soviéticos. Aprendeu russo para pregar o Evangelho a seus companheiros de infortúnio. Em 1945, logrou fugir do campo, onde morreram cerca de 40 mil pessoas. Estranhou a indiferença dos soldados nazistas que cruzavam com ele, um notório evadido, com uniforme azul e cabeça raspada. Naquele dia, a guerra terminara.

Alfredinho tomou três decisões: tornar-se padre, trabalhar com os mais pobres entre os pobres e jamais vestir outra roupa que não reproduzisse o modelo do uniforme do campo, em memória de seus companheiros mortos.

Ingressou na congregação dos Filhos da Caridade e, a convite de dom Antônio Fragoso, em 1968 veio para a Diocese de Crateús (CE). Perguntou ao bispo qual era a paróquia mais miserável da diocese. Dom Fragoso apontou Tauá, região de seca e flagelo. Alfredinho instalou-se na capela local. Desprovida de casa paroquial, ele dormia no colchão estendido junto ao altar e cozinhava num fogareiro.

Certa noite, foi chamado para atender uma prostituta que, cancerosa, agonizava em seu barraco de taipa, na zona boêmia. Antonieta queria confessar-se. Padre Alfredinho disse a ela: "Somos nós que devemos pedir perdão a você. Perdão pelos pecados de uma sociedade que não Ihe ofereceu outra alternativa de vida. Como Jesus prometeu, Antonieta, você nos precederá no Reino de Deus. Interceda por nós."

Após receber a absolvição e a unção dos enfermos, a mulher faleceu. Não havia dinheiro para o caixão. As prostitutas enrolaram a companheira num lençol e arrancaram a porta de madeira do barraco para levar o corpo à vala comum do cemitério. Ao retornar para colocar a porta no lugar, Alfredinho teve uma inspiração. Durante anos, o vigário de Tauá habitou aquele casebre em plena zona boêmia da cidade.

Num tempo de seca, os flagelados invadiam as cidades do Ceará. Temerosos, muitos fechavam as portas. Alfredinho criou a campanha da Porta Aberta ao Faminto (PAF), cartaz que cerca de 2 mil famílias ostentaram em suas casas, acolhendo as vítimas do descaso do poder público.

Fomos amigos e bebi de sua espiritualidade. Barbado, vestido com a roupa azul que lembrava um macacão, sandálias nos pés e mochila nas costas, o aspecto de Alfredinho não diferia do de um mendigo. Convidado a pregar o retiro dos franciscanos, em Campina Grande, chegou de madrugada e dormiu na escada da igreja do convento. Ao acordar, catou as moedas que encontrou em volta e bateu a porta. "Quero falar com o superior", disse ao porteiro. "O superior não pode atender. Está em retiro." Alfredinho tentou esclarecer: "Sim, eu sei, pois vim pregar o retiro." O porteiro já ia expulsá-lo quando Alfredinho foi reconhecido por um frade que passava.

Testemunhei fato idêntico em Vitória, nos anos 70. A cozinheira interrompeu meu jantar com dom João Batista da Motta Albuquerque para comunicar: "Um mendigo insiste em falar com o senhor." O arcebispo reagiu: "Diga a ele que espere, minha filha. Vou atende-lo após o jantar." Era o padre Alfredinho, que viera pregar o retiro do clero local.

Em 1988, Alfredinho mudou-se para a Favela Lamartine, em Santo André (SP). Passou a viver entre o povo da rua e a dedicar-se a confraria que fundou, a Irmandade do Servo Sofredor (Isso), hoje congregando pessoas consagradas aos mais pobres em dez Estados do Brasil e vários países. Sua trajetória espiritual entre os excluídos está narrada em seus livros, muitos traduzidos no exterior: A sombra do Nabucodonosor, A Ovelha de Urias, A Burrinha de Balaão, A Espada de Gedeão e O Cobrador.

No domingo, 13 de agosto, Alfredinho transvivenciou, acolhido por Aquele que era o seu caso de Amor. Deixou como herança o testemunho de que uma Igreja afastada do pobre é uma Igreja de costas para Jesus."


(Texto de Frei Betto)

  Alguns fatos sore a vida de Frédy Kunz

9 Fev 1920 Nasceu em Berna (Suíça), filho de Frederic e Anna, trabalhadores de uma pedreira.

1926 Emigram para a França procurando melhor vida e trabalho.

1931 Aos 11 anos, começa a trabalhar num hotel como cozinheiro. Chegava a trabalhar 15 horas por dia.

1935 Ingressou na JOC (Juventude Operária Católica), e gostou muito da leitura da bíblia.

1939 Começou a pensar que algum gostaria de ser sacerdote, mas logo nesse ano teve inicio a II Guerra Mundial. Seu pai era contrário a sua vontade de ser padre, e então Frédy se alistou como voluntário no exército francês. Combateu contra os alemães. Foi preso e levado para o campo de concentração na Áustria, trabalhando como cozinheiro. No campo de concentração iniciou um círculo de leitura da bíblia, junto com outro prisioneiro protestante. Atendiam os doentes e os curavam.

1945 Entra no Seminário depois de terminada  a Guerra, em Fontgombault (França), acompanhado pelos Filhos da Caridade.

1954 Foi ordenado sacerdote em Paris, e depois foi trabalhar para o Canadá, num bairro de operários.

1968 Desejoso de trabalhar em países mais pobres, veio para o Brasil, na cidade de Crateús. Começou a viver com os pobres que eram vítimas do sistema de fazendas naquela região semi-árida. O sofrimento que ele mesmo viveu na sua vida, e que partilhou com tantos pobres, o levou a meditar cada vez mais no SERVO SOFREDOR, figura profética do livro de Isaías.

1968-1971 Viveu três anos no bairro da prostituição de Crateús, onde atendia todos os mais pobres, no barraco da falecida Antonieta.

1977 Cria um pequeno grupo que deseja fazer retiros espirituais com o Pe. Alfredinho, e crescer na espiritualidade do Servo Sofredor.

1979 Alfredinho, no tempo de ditadura e repressão dos pobres que chegavam à cidade procurando alimento, animou a campanha de acolhimento, com o lema “Fraternidade sim, violência não!

1988 Tem problemas contínuos de saúde, e foi viver para a favela Lamartine.

1995-1997 Animado pela campanha da Fraternidade que procurava acolher os excluídos, pediu a bênção ao  bispo de Santo André, e foi viver com os moradores de rua em SP. Ao longo destes anos um grupo de gente se vai associando ao Pe. Alfredinho, formando assim a Irmandade do Servo Sofredor.

Ago 2001 Devido a insuficiência cardíaca, morreu no dia 12 de Agosto.


(Texto nosso baseado no link: http://juventudespedrospaulo.blogspot.com.br/2011/05/padre-alfred-kunz-conhecido-como-pe.html)

segunda-feira, 12 de maio de 2014

Nobel da paz: Aung San Suu Kyi (e sugestão de filme)

       Pretendemos, ao longo do blog, mostrar quem são e o que fizeram/fazem os agraciados com o Prêmio Nobel da Paz. A primeira a ocupar esta categoria em nosso espaço é Aung San Suu Kyi, uma política de oposição de Mianmar (antiga Birmânia) e secretária geral da Liga Nacional da Democracia (LND). Filha de Aung San, que conduziu o país à independência dos colonizadores britânicos e foi assassinado quando ela tinha apenas dois anos, Suu Kyi abraçou o legado do pai e é um dos maiores nomes de resistência pacífica de nosso tempo. Ganhadora do Prêmio em 1991, a ativista só o teve nas mãos em 2012, devido à prisão domiciliar que cumpria na época e na qual permaneceu por mais de 15 anos, resistindo a uma das mais violentas ditaduras do mundo. Apenas em 2010, quando os militares deixaram o poder, houve alguma abertura em Mianmar, Aung San Suu Kyi foi libertada e pôde enfim exercer um mandato em uma vaga do Parlamento. A ativista pretende se candidatar às eleições presidenciais de 2015. Mantendo e defendendo atitudes não-violentas e dotada de uma firmeza permanente que inclui renúncia, dor e luta - sem armas - a serviço da paz, a “Orquídea de aço[1]” Suu Kyi é uma fonte de inspiração para todos que procuram construir algo no mundo.
 
“Quando me encontrei com os trabalhadores migrantes e refugiados birmaneses durante a minha recente visita Tailândia, muitos gritavam: "Não se esqueçam de nós!". Queriam dizer: "não se esqueça de nosso sofrimento, não se esqueça de fazer o que puder para nos ajudar, não se esqueça que também pertencem ao seu mundo.” Quando o Comitê do Nobel concedeu o Prêmio da Paz para mim eles estavam reconhecendo que os oprimidos e os isolados na Birmânia também faziam parte do mundo, eles estavam reconhecendo a unidade da humanidade. Então, para mim, receber o Prêmio Nobel da Paz significa pessoalmente estender minhas preocupações para a democracia e os direitos humanos além das fronteiras nacionais. O Prêmio Nobel da Paz abriu uma porta no meu coração.” Trecho do discurso de Suu Kyi, em 16 de junho de 2012, proferido ao ter nas mãos o prêmio (antes recebido simbolicamente por seu filho). Tradução nossa.
 
Sugestão de filme: The Lady (2011), ou Além da Liberdade, em português, é a nossa indicação de filme para quem quer ver um pouco mais da história de Suu Kyi transposta sob a direção de Luc Besson e a bela interpretação de Michelle Yeoh. Além disso, a música “Walk on”, da banda U2, foi feita em homenagem à nossa escolhida de hoje.


Mais informações: http://www.dw.de/aung-san-suu-kyi-uma-vida-dedicada-a-mianmar/a-17559460
 
Discurso inteiro - vídeo (em inglês): http://www.nobelprize.org/mediaplayer/index.php?id=1809

Discurso inteiro – texto (em inglês): http://www.nobelprize.org/nobel_prizes/peace/laureates/1991/kyi-lecture_en.html

[1] Termo usado pela revista Time, em 1991, quando Suu Kyi ganhou o prêmio através de seu filho. Ela recebeu esse nome devido à orquídea que sempre usa em seu cabelo.
 

quarta-feira, 7 de maio de 2014

A Rosa Branca: Resistência, Cultura e Memória

Divulgamos aqui esse belo evento que acontecerá dia 15 de maio em São Paulo. 
As informações e a programação seguem abaixo.

Buscamos um breve texto para introduzir um pouco o que foi o movimento Rosa Branca:


Dos alemães que se opuseram à ditadura de Hitler, pouquíssimos grupos protestaram abertamente contra o genocídio dos judeus. O movimento “Rosa Branca” foi fundado em junho de 1942 pelo estudante de medicina na Universidade de Munique, de 24 anos, Hans Scholl, sua irmã Sophie, de 22, e Christoph Probst, de 24. Embora não se saiba porque escolheram o nome “Rosa Branca” para seu movimento, especula-se que ela significava a pureza e a inocência frente à maldade. Hans, Sophie e Christoph estavam indignados pelo fato de que os alemães bem instruídos tinham aceito as políticas nazistas sem contestar. Eles distribuíram panfletos contra o nazismo e pintaram slogans como “Liberdade!” e “Fora Hitler!” nas paredes da universidade. Em fevereiro de 1943, Hans e Sophie Scholl foram apanhados distribuindo panfletos, e detidos. Juntamente com seu amigo Christoph, foram executados quatro dias depois. As últimas palavras do jovem Hans foram “Viva a liberdade!”
(retirado do site: "Holocausto: Um Local de Aprendizado para Estudantes")


A Rosa Branca 
RESISTÊNCIA, CULTURA E MEMÓRIA 
15 maio | quinta-feira |14h00 às 19h30 

Tenda cultural Ortega y Gassetrua do anfiteatro, s / n (praça do relógio) 
Cidade universitária | São Paulo 

>>14h às 14h45 
Encenação teatral
Pétalas vivas de Rosa Branca
Direção: Leslie Marko 

>>14h45 às 17h 
Mesa-redonda
A história dos estudantes 
alemães que desafiaram Hitler

Profs. Drs. Juliana Pasquarelli Perez, Maria 
Luiza Tucci Carneiro, Rainer Schmidt, Tinka 
Reichmann | Mediação: Cide Piquet 

>>17h às 17h30
Exposição 
A Rosa Branca
A resistência de estudantes contra Hitler 
Munique 1942 / 43

Coffee Break 

17h30 às 19h30
Filme
A Rosa Branca

Direção: Michael Verhoeven 
Alemanha | 1992 | 123 min. | Drama | 
Livre | “Die Weiße Rose” | Alemão 
(legendas em português) 

domingo, 4 de maio de 2014

O que é a não-violência ativa: vídeo sobre sua história


"No mundo de hoje, a violência cresce e  se espalha por todos os campos, gerando um clima de medo, incerteza, asfixia e isolamento. Não se trata apenas de violência física, da guerra e da criminalidade. Existem também a violência econômica, racial, religiosa, psicológica, a violência domestica, familiar e a violência interna. Não-violência não é pacifismo, não é um simples slogan para manifestações, não é a atitude resignada de quem evita, por temor, o enfrentamento e a discussão. É uma grande filosofia de vida e uma metodologia de ação, que sempre foi inspirada em profundas condições morais e religiosas, e que hoje representa a única resposta coerente à espiral de violência que nos rodeia." (Texto do vídeo)

Iniciamos com este vídeo nosso trabalho de divulgação e proposta de um posicionamento pela não-violência ativa. Com ele queremos dar um primeiro passo, partindo de fatos históricos e movimentos para os quais a não-violência foi fonte de inspiração. Pretendemos, ao longo das postagens, traçar um caminho fundamentado e coerente que mostre que essas ações não estão encerradas no tempo e nem se limitam aos grandes nomes da nossa história, mas que estão presentes e suscitam atitudes pelo mundo hoje. Enquanto a violência grita nos meios de comunicação, queremos dar voz aos outros caminhos que existem e transformam nossa realidade de outra forma.


Este é o primeiro de uma sequência de 5 vídeos. Os links seguem abaixo:

Parte 2: https://www.youtube.com/watch?v=VPJUWl8S5K8
Parte 3: removida por direitos autorais
Parte 4: https://www.youtube.com/watch?v=YzAq8lF4X_I
Parte 5: https://www.youtube.com/watch?v=yrbeuHIGqoA

 Esperamos poder contribuir nessa causa! Sejam bem-vindos!