Iniciamos aqui a primeira postagem de várias que faremos sobre esse militante da Paz.
Ele viveu
entre nós
"Salão do Sindicato dos Cozinheiros de Paris, início da década de
40. 0 presidente indaga quantos trabalhadores tem um mês de férias por ano. Uns
tantos se levantam. Quem tem apenas uma semana de descanso. Uns poucos ficam de
pé. Quem só obtém licença do patrão para descansar
apenas no fim de semana. Outro punhado de pé. Quem nunca descansa? Um rapaz suíço,
com pouco mais de um metro e meio de altura, levanta-se ao fundo. Era Alfredo
Kunz, um militante cristão.
Meses
depois, Alfredinho, como era conhecido, foi mobilizado pelo Exército francês
para lutar contra o avanço das tropas de Hitler. Aprisionado, passou a guerra
num campo de concentração na Áustria, ao lado de prisioneiros soviéticos.
Aprendeu russo para pregar o Evangelho a seus companheiros de infortúnio. Em
1945, logrou fugir do campo, onde morreram cerca de 40 mil pessoas. Estranhou a
indiferença dos soldados nazistas que cruzavam com ele, um notório evadido, com
uniforme azul e cabeça raspada. Naquele dia, a guerra terminara.
Alfredinho
tomou três decisões: tornar-se padre, trabalhar com os mais pobres entre os
pobres e jamais vestir outra roupa que não reproduzisse o modelo do uniforme do
campo, em memória de seus companheiros mortos.
Ingressou
na congregação dos Filhos da Caridade e, a convite de dom Antônio Fragoso, em
1968 veio para a Diocese de Crateús (CE). Perguntou ao bispo qual era a
paróquia mais miserável da diocese. Dom Fragoso apontou Tauá, região de seca e
flagelo. Alfredinho instalou-se na capela local. Desprovida de casa paroquial,
ele dormia no colchão estendido junto ao altar e cozinhava num fogareiro.
Certa
noite, foi chamado para atender uma prostituta que, cancerosa, agonizava em seu
barraco de taipa, na zona boêmia. Antonieta queria confessar-se. Padre
Alfredinho disse a ela: "Somos nós que devemos pedir perdão a você. Perdão
pelos pecados de uma sociedade que não Ihe ofereceu outra alternativa de vida.
Como Jesus prometeu, Antonieta, você nos precederá no Reino de Deus. Interceda
por nós."
Após
receber a absolvição e a unção dos enfermos, a mulher faleceu. Não havia
dinheiro para o caixão. As prostitutas enrolaram a companheira num lençol e
arrancaram a porta de madeira do barraco para levar o corpo à vala comum do
cemitério. Ao retornar para colocar a porta no lugar, Alfredinho teve uma
inspiração. Durante anos, o vigário de Tauá habitou aquele casebre em plena
zona boêmia da cidade.
Num
tempo de seca, os flagelados invadiam as cidades do Ceará. Temerosos, muitos
fechavam as portas. Alfredinho criou a campanha da Porta Aberta ao Faminto
(PAF), cartaz que cerca de 2 mil famílias ostentaram em suas casas, acolhendo
as vítimas do descaso do poder público.
Fomos
amigos e bebi de sua espiritualidade. Barbado, vestido com a roupa azul que
lembrava um macacão, sandálias nos pés e mochila nas costas, o aspecto de
Alfredinho não diferia do de um mendigo. Convidado a pregar o retiro dos
franciscanos, em Campina Grande, chegou de madrugada e dormiu na escada da
igreja do convento. Ao acordar, catou as moedas que encontrou em volta e bateu
a porta. "Quero falar com o superior", disse ao porteiro. "O
superior não pode atender. Está em retiro." Alfredinho tentou esclarecer:
"Sim, eu sei, pois vim pregar o retiro."
O porteiro já ia expulsá-lo quando Alfredinho foi reconhecido por um frade que
passava.
Testemunhei
fato idêntico em Vitória, nos anos 70. A cozinheira interrompeu meu jantar com
dom João Batista da Motta Albuquerque para comunicar: "Um mendigo insiste
em falar com o senhor." O arcebispo reagiu: "Diga a ele que espere,
minha filha. Vou atende-lo após o jantar." Era o padre Alfredinho, que
viera pregar o retiro do clero local.
Em
1988, Alfredinho mudou-se para a Favela Lamartine, em Santo André (SP). Passou
a viver entre o povo da rua e a dedicar-se a confraria que fundou, a Irmandade
do Servo Sofredor (Isso), hoje congregando pessoas consagradas aos mais pobres
em dez Estados do Brasil e vários países. Sua trajetória espiritual entre os
excluídos está narrada em seus livros, muitos traduzidos no exterior: A sombra do Nabucodonosor, A Ovelha de Urias, A Burrinha
de Balaão, A Espada de Gedeão e O Cobrador.
No
domingo, 13 de agosto, Alfredinho transvivenciou, acolhido por Aquele que era o
seu caso de Amor. Deixou como herança o testemunho de que uma Igreja afastada
do pobre é uma Igreja de costas para Jesus."
(Texto de Frei Betto)
Alguns fatos sore a vida de Frédy Kunz
9 Fev 1920 Nasceu em Berna (Suíça), filho de Frederic e Anna,
trabalhadores de uma pedreira.
1926 Emigram para a França procurando melhor vida e trabalho.
1931 Aos 11 anos, começa a trabalhar num hotel como cozinheiro.
Chegava a trabalhar 15 horas por dia.
1935 Ingressou na JOC (Juventude Operária Católica), e gostou
muito da leitura da bíblia.
1939 Começou a pensar que algum gostaria de ser sacerdote, mas
logo nesse ano teve inicio a II Guerra Mundial. Seu pai era contrário a sua
vontade de ser padre, e então Frédy se alistou como voluntário no exército
francês. Combateu contra os alemães. Foi preso e levado para o campo de
concentração na Áustria, trabalhando como cozinheiro. No campo de concentração
iniciou um círculo de leitura da bíblia, junto com outro prisioneiro
protestante. Atendiam os doentes e os curavam.
1945 Entra no Seminário depois de terminada a Guerra, em Fontgombault (França),
acompanhado pelos Filhos da Caridade.
1954 Foi ordenado sacerdote em Paris, e depois foi trabalhar para
o Canadá, num bairro de operários.
1968 Desejoso de trabalhar em países mais pobres, veio para o
Brasil, na cidade de Crateús. Começou a viver com os pobres que eram vítimas do
sistema de fazendas naquela região semi-árida. O sofrimento que ele mesmo viveu
na sua vida, e que partilhou com tantos pobres, o levou a meditar cada vez mais
no SERVO SOFREDOR, figura profética do livro de Isaías.
1968-1971 Viveu três anos no bairro da prostituição de Crateús,
onde atendia todos os mais pobres, no barraco da falecida Antonieta.
1977 Cria um pequeno grupo que deseja fazer retiros espirituais
com o Pe. Alfredinho, e crescer na espiritualidade do Servo Sofredor.
1979 Alfredinho, no tempo de ditadura e repressão dos pobres que
chegavam à cidade procurando alimento, animou a campanha de acolhimento, com o
lema “Fraternidade sim, violência não!
1988 Tem problemas contínuos de saúde, e foi viver para a favela
Lamartine.
1995-1997 Animado pela campanha da Fraternidade que procurava
acolher os excluídos, pediu a bênção ao
bispo de Santo André, e foi viver com os moradores de rua em SP. Ao
longo destes anos um grupo de gente se vai associando ao Pe. Alfredinho,
formando assim a Irmandade do Servo Sofredor.
Ago 2001 Devido a insuficiência cardíaca, morreu no dia 12 de
Agosto.
(Texto nosso baseado no link: http://juventudespedrospaulo.blogspot.com.br/2011/05/padre-alfred-kunz-conhecido-como-pe.html)